"(...) Um cheiro de paz risonha do encontro do que é bom!"

sábado, 16 de outubro de 2010

"Neoqeav"

Gostaria de dizer que este texto não é de minha autoria, foi uma adaptação de Joana, do blog Let Be que eu amei e resolvi postar. Espero que vocês curtam.



Meus avós já estavam casados há mais de cinqüenta anos e continuavam jogando um jogo que haviam iniciado quando começaram a namorar. 
A regra do jogo era que um tinha que escrever a palavra "neoqeav" num lugar inesperado para o outro encontrar, quem a encontrasse deveria escrevê-la em outro lugar e assim sucessivamente. 
Eles escreviam "neoqeav" com os dedos no açúcar dentro do açucareiro ou no pote de farinha para que o próximo que fosse cozinhar a achasse. Escreviam na janela embaçada pelo sereno que dava para o pátio onde minha avó nos dava pudim que ela fazia com tanto carinho. "Neoqeav" era escrita no vapor deixado no espelho depois de um banho quente, onde a palavra iria reaparecer depois do próximo banho... Cada idéia superava a outra... Uma vez, minha avó até desenrolou um rolo inteiro de papel higiênico para deixar "neoqeav" na última folha e enrolou tudo de novo. 
Não havia limites para onde "Neoqeav" pudesse surgir. Pedacinhos de papel com "Neoqeav" rabiscado apareciam grudados no volante do carro que eles dividiam. Os bilhetes eram enfiados dentro dos sapatos e deixados debaixo dos travesseiros. "Neoqeav" era escrita com os dedos na poeira sobre as prateleiras e nas cinzas da lareira. Esta misteriosa palavra tanto fazia parte da casa de meus avós quanto da mobília. Levou bastante tempo para eu passar a entender e gostar completamente deste jogo que eles jogavam. Meu ceticismo nunca me deixou acreditar em um único e verdadeiro amor, que possa ser realmente puro e duradouro. Porém, eu nunca duvidei do amor entre meus avós. Este era profundo. Era mais do que um jogo de diversão, era um modo de vida. 
Seu relacionamento era baseado em devoção e uma afeição apaixonada, igual as quais nem todo mundo tem a sorte de experimentar. O vovô e a vovó ficavam de mãos dadas sempre que podiam. Roubavam beijos um do outro sempre que se esbarravam naquela cozinha tão pequena. Eles conseguiam terminar a frase incompleta do outro e todo dia resolviam juntos as palavras cruzadas do jornal. Minha avó cochichava para mim dizendo o quanto meu avô era bonito, como ele havia se tornado um velho charmoso. E ela se gabava de dizer que sabia como pegar os namorados mais bonitos. 
Antes de cada refeição eles se reverenciavam e davam graças a Deus e bençãos aos presentes por sermos uma família maravilhosa, para continuarmos sempre unidos e com boa sorte. 



Mas uma nuvem escura surgiu na vida de meus avós: minha avó tinha câncer de mama. A doença tinha primeiro aparecido dez anos antes. 
Como sempre, vovô estava com ela a cada momento. 
Ele a confortava no quarto amarelo deles, que ele havia pintado dessa cor para que ela ficasse sempre rodeada da luz do sol, mesmo quando ela não tivesse forças para sair. 

O câncer agora estava de novo atacando seu corpo. 

Com a ajuda de uma bengala e a mão firme do meu avô, eles iam à igreja toda manhã, mas minha avó foi ficando cada vez mais fraca, até que, finalmente, ela não mais podia sair de casa. Por algum tempo, meu avô resolveu ir à igreja sozinho, rezando a Deus para zelar por sua esposa. Então, o que todos nós temíamos aconteceu. 

Vovó partiu. 

"Neoqeav"foi gravada em amarelo nas fitas cor-de-rosa dos buquês de flores do funeral da vovó. 
Quando os amigos começaram a ir embora, minhas tias, tios, primos e outras pessoas da família se juntaram e ficaram ao redor da vovó pela última vez. Depois de finalizar suas orações cada um foi saindo até que  meu avô foi o único que ficou bem junto do caixão da vovó e, num suspiro bem profundo, começou a cantar para ela. 
Através de suas lágrimas e pesar, a música surgiu como uma canção de ninar que vinha bem de dentro de seu ser. Me sentindo muito triste, nunca vou me esquecer daquele momento. Porque eu sabia que mesmo sem ainda poder entender completamente a profundeza daquele amor, eu tinha tido o privilégio de testemunhar a beleza sem igual que aquilo representava. 

Quando chegamos em casa meu avô foi ao banheiro e foi tomar seu banho pra deitar, e quando saiu do chuveiro viu no espelho o "neoqeav" que minha avó havia escrito, e havia surgido novamente com o vapor do banho do vovô. E foi o que lhe deu forças para ele Nunca Esquecer O Quanto Eu (a vovó) Amo Você.

Nunca Esqueça O Quanto Eu Amo Você = "NEOQEAV"

Um comentário:

  1. Esse texto é lindo !!!
    Muito antigo , também desconheço a autoria.


    Bjo.

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